sábado, 12 de outubro de 2013

Da tristeza



Oi filho,

se alguém me perguntar se eu sei o momento exato em que comecei a ficar triste eu acho que não saberia responder. Não saberia dizer quando caiu a primeira lágrima, quando me sufocou o primeiro suspiro e quando se instaurou em mim essa melancolia que não cessa. Os meus sorrisos morreram em algum lugar por aí filho. E eu, que era tão feliz, não consigo mais sonhar ou imaginar que as coisas mudem. Talvez tenham sido os amores que não vingaram, ou talvez o fato da profissão que escolhi estar passando por dias cinzas. Tudo isso conta, claro. E se eu tivesse ao menos a certeza de que dias melhores viriam eu poderia te afirmar agora o quanto essa tristeza que ora sinto vai passar. Não te digo que sou triste o tempo inteiro, porque não é verdade. Ainda tenho meus momentos felizes e pausas.Ainda faço amigos, ainda desperto interesse em algumas pessoas. Mas nada importa, porque quase nada tem graça.

Me pergunto onde estão os meus sonhos. Em que malha perdida do tempo eles se esconderam?

Acho que no fundo eu espero por alguém que possa me tirar desse buraco sem fundo onde estou.E se esse alguém for eu mesma que eu tenha coragem então de buscar uma saída. Um lugar por onde entre uma luz, e que me mostre que não estou sozinha. Eu não queria estar triste. Eu não queria estar sozinha. Eu só queria agora tudo aquilo que sonhei que teria. Como uma criança que dá corda numa caixa de música e que faz birra quando a caixa para de tocar. Eu me dou conta que é só dar corda mais uma vez e a caixa de música voltará com toda a sua força.

Em dias assim eu desejo com ainda mais força que você venha filho. Que você em breve se despeça dos seus e que venha viver sua nova aventura. Mas ao mesmo tempo me pergunto quem eu poderia ser pra você agora e se você gostaria de mim com todos os meus vazios e precipícios. Bem, pergunto tudo isso ao tempo, mas o tempo não responde. Porque é da natureza do tempo silenciar.

mil beijos,
mamãe.



quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Dias de chuva

Oi filho, 

é engraçado as lembranças que os dias de chuva me trazem. Gosto deles, principalmente quando acontece de eu estar em casa quando chove. Dias assim me fazem lembrar da infância, de quando eu voltava da escola, que ficava no centro da cidade, toda suada de tanto correr e com os tênis cheios de areia (É que na escola tínhamos um parquinho com areia). Eu devia ter uns 6 anos. A sua avó ia me buscar e pegávamos o ônibus pra casa num ponto que ficava em frente à minha escola. Eu sempre gostei de andar de ônibus filho. Acho que isso se deve ao fato de eu gostar de observar as pessoas e seus gestos, roupas, jeitos de ser. Eu entrava no ônibus e assim que me sentava entrava numa espécie de universo paralelo, onde eu quase sempre deixava o meu pensamento voar. O trajeto que fazíamos não era muito longo, mas o suficiente para eu aprender uma palavra nova ou detectar que algum lugar que eu conhecia havia mudado. Um letreiro, uma frase, uma nova tinta. 

Tudo fazia parte do meu trajeto diário e era muito comum que vez ou outra mudanças acontecessem. Eu morava numa cidade em construção, a mesma em que moro hoje (à contragosto) e é incrível perceber o quanto ela mudou desde então. Mas voltando ao assunto desta carta, os dias de chuva, eu lembro de chegar em casa e quase sempre encontrar a tv ligada e de estar passando a abertura final do programa “Balão mágico”. 


Os créditos subiam e era sempre assim, eu maldizendo o fato de estudar pela manhã e não poder aproveitar aquele programa que parecia ser ótimo. Conhecia o pessoal da turma do balão mágico só através dos especiais que passavam na tv globo, mas não tinha a chance de ver o programa deles, exceto nas férias. Bom, eu chegava, tirava o uniforme ao som dos gritos da sua avó: “Se ainda estiver com o uniforme, não senta na mesa!”, lavava as mãos e sentava à mesa. Depois de almoçar eu ia pra cama ler e ficava ali de bruços, lendo e esperando a sessão da tarde começar. Era sagrado, eu lia todos os dias depois do almoço, porque esse sempre foi o meu passatempo preferido desde que me entendo por gente.E foi através da leitura que descobri o mundo, ou melhor, que redescobri o mundo. Já que a leitura sempre me alçou à vôos outros, sempre me tirou do mundinho limitado em que eu vivia, tornando tudo melhor e maior. 

Fecho os olhos e lembro daqueles dias de chuva. Dias como o de hoje, guardados num canto da minha cabeça reservado às coisas sagradas. E quando digo sagradas não quero dizer intocadas, mas sagradas por conter em si sentimentos que à despeito do tempo nunca serão esquecidos. Um dia você também terá esse espaço e há de ser tão bonito quanto o meu, assim desejo. 

Com amor,
mamãe.