quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Dias de chuva

Oi filho, 

é engraçado as lembranças que os dias de chuva me trazem. Gosto deles, principalmente quando acontece de eu estar em casa quando chove. Dias assim me fazem lembrar da infância, de quando eu voltava da escola, que ficava no centro da cidade, toda suada de tanto correr e com os tênis cheios de areia (É que na escola tínhamos um parquinho com areia). Eu devia ter uns 6 anos. A sua avó ia me buscar e pegávamos o ônibus pra casa num ponto que ficava em frente à minha escola. Eu sempre gostei de andar de ônibus filho. Acho que isso se deve ao fato de eu gostar de observar as pessoas e seus gestos, roupas, jeitos de ser. Eu entrava no ônibus e assim que me sentava entrava numa espécie de universo paralelo, onde eu quase sempre deixava o meu pensamento voar. O trajeto que fazíamos não era muito longo, mas o suficiente para eu aprender uma palavra nova ou detectar que algum lugar que eu conhecia havia mudado. Um letreiro, uma frase, uma nova tinta. 

Tudo fazia parte do meu trajeto diário e era muito comum que vez ou outra mudanças acontecessem. Eu morava numa cidade em construção, a mesma em que moro hoje (à contragosto) e é incrível perceber o quanto ela mudou desde então. Mas voltando ao assunto desta carta, os dias de chuva, eu lembro de chegar em casa e quase sempre encontrar a tv ligada e de estar passando a abertura final do programa “Balão mágico”. 


Os créditos subiam e era sempre assim, eu maldizendo o fato de estudar pela manhã e não poder aproveitar aquele programa que parecia ser ótimo. Conhecia o pessoal da turma do balão mágico só através dos especiais que passavam na tv globo, mas não tinha a chance de ver o programa deles, exceto nas férias. Bom, eu chegava, tirava o uniforme ao som dos gritos da sua avó: “Se ainda estiver com o uniforme, não senta na mesa!”, lavava as mãos e sentava à mesa. Depois de almoçar eu ia pra cama ler e ficava ali de bruços, lendo e esperando a sessão da tarde começar. Era sagrado, eu lia todos os dias depois do almoço, porque esse sempre foi o meu passatempo preferido desde que me entendo por gente.E foi através da leitura que descobri o mundo, ou melhor, que redescobri o mundo. Já que a leitura sempre me alçou à vôos outros, sempre me tirou do mundinho limitado em que eu vivia, tornando tudo melhor e maior. 

Fecho os olhos e lembro daqueles dias de chuva. Dias como o de hoje, guardados num canto da minha cabeça reservado às coisas sagradas. E quando digo sagradas não quero dizer intocadas, mas sagradas por conter em si sentimentos que à despeito do tempo nunca serão esquecidos. Um dia você também terá esse espaço e há de ser tão bonito quanto o meu, assim desejo. 

Com amor,
mamãe.

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